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Mensagens obtidas com exclusividade indicam que, em outubro de 2022, assessores próximos ao ministro Alexandre de Moraes articulavam o bloqueio da rede social Gettr, criada por Jason Miller — ex-assessor de Donald Trump.
A confusão que desencadeou o pedido
Em 3 de outubro de 2022, dois dias após o primeiro turno eleitoral, o juiz Airton Vieira, então assessor judicial de Moraes no STF, acionou Eduardo Tagliaferro, chefe da Unidade Especial de Combate à Desinformação do TSE, solicitando medidas para bloquear a Gettr. O pedido surgiu após Vieira confundir uma postagem do influenciador Allan dos Santos feita no X com uma publicação na Gettr.
Tagliaferro, corrigindo a confusão, enviou as publicações verídicas da Gettr. Mesmo após o esclarecimento, Vieira insistiu no bloqueio: “Então, veja, por favor, como bloquear o Gettr. Obrigado.”
Construção do argumento para o bloqueio
A solicitação foi estrategicamente anexada à Petição 9.935, que já tramitava no STF sob relatoria de Moraes e envolvia o bloqueio do Telegram com base no Marco Civil da Internet — aproveitando-se do precedente criado em março de 2022.
Tagliaferro respondeu, ironizando: “Nele, tem muita gente se escondendo porque não há [sic] impunidade.”
Em seguida, Vieira elogiou um relatório elaborado por Tagliaferro para embasar o bloqueio: “Está muito bom, Eduardo! Muito mesmo! O problema agora é o bloqueio. Sabe se o Gettr tem representação no Brasil? Rsrsrs.”
Tagliaferro respondeu que a empresa não tinha representação no país e sugeriu replicar a estratégia usada contra o Telegram — bloquear por completo até que a plataforma se adequasse.
Quando o plano pareceu surtir efeito
Quatro dias depois, em 7 de outubro de 2022, Tagliaferro transmitiu ao assessor Vieira um comunicado da Gettr relatando ter sido orientada pelo STF a bloquear perfis da juíza Ludmila Lins Grillo e do jornalista Allan dos Santos. Ele celebrou: “Doutor Airton, que coração de pedra! Viu, deu certo. Agora podemos pegar os caras no Gettr. Pensaram que estavam impunes.”
A fiscalização anterior à tentativa de bloqueio
Cabe notar que o TSE já monitorava a Gettr desde agosto de 2022, por meio de relatórios semanais elaborados pelo Instituto Democracia em Xeque, parceiro na Corte Eleitoral. Essas análises sinalizavam temas e atores mencionados na plataforma como potenciais indicadores de campanhas ou atores políticos.
Aspectos legais questionáveis
A tentativa de bloqueio foi considerada ilegal e abusiva por diversos fundamentos:
O STF não possui poder hierárquico sobre o TSE, o que configura desvio de finalidade ao usar a Justiça Eleitoral como ferramenta de censura.
A atuação do STF ultrapassou competências judiciais, assumindo papel de investigação e acusação, que são funções da Polícia Federal e do Ministério Público.
O Marco Civil da Internet prevê remoção pontual de conteúdo, não o bloqueio abrangente de plataformas como medida de censura.
A ação careceu de contraditório e devido processo legal, tendo se originado em trocas privadas via WhatsApp.
O viés antecipatório e a pressão para o bloqueio indicam parcialidade de agentes judiciais.
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